terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

17/07/1993

É o ruído quente
de um sol que é o mesmo
desde sempre
ou
de um início
tanto faz.
tanto faz, tanto queima, tanto seca
será além do que existe
e a tudo consumira
tanto faz.

       ...

não são noticias, casos
ou acontecimentos
não se move
mas perde-se
para poder
se encontrar
no interior do caos

       ...

não é a memoria
como ruído
como som
com palavras
como a dor

        ...

quando a poeira baixa
resta o rancor
uma emoção contraria
que não a viu chegar
desavisada
cega
e não pode entender seu fim
por não saber recomeçar
é a fenix quebrada.
não poderia voltar
a ser o que era
na mesma estrada.

        ...


      cafa.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

vestigios progressivos


sigamos
por entre a duração
das palavras
dos passos
decrescescentes
seduzidos
reflexão suportável
que leva ao fundo
progressiva...

Domingos Da Silva...fanzine "triptoliplenopoliporra!"  1992
Cinzas


fumo nas horas vagas
vago nas horas fumadas



Cafa  1993
horas neutras

caminho na vertgem do dia
ao meio dia
entre as árvores
na sombra
um redemoinho
de folhas secas
uma brisa
em passos descompromissados
não é sabado ( uma folha que vai)
não é domingo (nem feriado)
não é nada
sou só eu
caminhando a esmo
indo...
não se preocupe
um dia eu volto
desse tempo parado
dessa paz que eu sinto.

 Cafa   1993.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sistema

Sempre bonitinho, penteado e engomado
Processo seletivo pra viver engaiolado
Sob as leis da família,da escola e do estado
E a religião te condenando no pecado

Grana e trabalho andam lado a lado
Consumir e produzir esse é o ditado
Os padrões estão ai pra você seguir
Ande fora dele e vão te destruir.

 (letra que escrevi pra banda “chute no saco” em 1992)
         D.Zita ao estender a primeira peça de roupa no varal observou que uma mancha não havia sido totalmente removida, ela olhou pra caixa de sabão em pó e disse: “Só eu é que funciono é?!” Seu Manério que acabará de chegar ouviu as palavras de D.Zita e falou: “Que foi mulher? Estás conversando com o sabão? Já não basta ficar fazendo papel de maluca conversando com as plantas? Agora deu pra falar com o sabão?” E ela retrucou: “Não Manério, você não entendeu, eu não sou doida, eu só estava dizendo que o sabão em pó que você comprou é ruim.” Manério falou: “hora! Mas isso você tem que dizer pra mim ou ligar pro fabricante e reclamar, tems que perder essa mania besta!” D.Zita:  “Tá bom! Ta bom!” Quando a noite chegou a família de seu Manério fez como de hábito sentar-se a mesa para a janta. Seu Manério em uma ponta, D.Zita em outra e os dois filhos, que passavam o dia inteiro no colégio, nas laterais. Antes de começarem a refeição seu Manério baixou a cabeça, uniu as palmas da mão e falou com os olhos fechados: “Senhor, agradecemos por essa refeição” Ao fim da frase todos disseram amém e começaram a comer.

                                                                                                        Cafa, 1993.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Vespertino cansaço

Fixar momentos
Como ensinou Mario de Sá
Vou até a praia e subo nas pedras
Observo as ondas e tudo me entra
Pela cortina aberta
Dos meus olhos
Quanta coisa meu deus!
Não posso definir
Em um arroubo emocional
Consumo a erva e me deixo levar
Pelas paragens que jamais poderei compreender

                                       Cafa 1992.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Martirio

Estou deprimido
Não consigo saciar minha sede
Vou e volto ao lamento
Lamento sobre o ultimo corpo
Que esta terra viu nascer
A água me lava a boca
Mas a sede aumenta
A gota que necessito
Não esta ali
Onde estará?
No nada absoluto
Ou nos adornos da existência?

                           Cafa, 1992
Tudo inútil

Um fogão indeciso
Nos parece tão inútil
Quanto uma geladeira em depressão
Que mais parece um caixão
De laticínios estragados

Uma garrafa que se esconde
Toda vez que a procuramos
Nos adianta tanto a vida
Quanto uma porta na comida

Um sofá velho e cansado
Despediu os acomodados
E uma TV sem privacidade
Condenou os viciados
Estes completamente abobalhados

                                 Cafa, 1992.

(o Word da à dica sobre erros, ou simplesmente, sobre outras
Possibilidades de reescrever os textos, mas insisto em mantê-los como eram)
Então vejamos: Comecei do nada e criei coisa nenhuma
Escrevo nau, escrevo mal, escrevo bem, escrevo escravo
É melhor a gente começar a encarar a real
Nada de filosofias
Apenas o céu
O sol
E os dias.

                                                         Cafa, 1992.

MINI CONTO                                                        
       
                                                               Retratos com datas

     O fotógrafo lambe-lambe surgiu na pequena pracinha, vindo ninguém sabia de onde. Os rapazes, por brincadeira, quiseram tirar retratos e o velhinho sorria ao bater as fotografias. Logo depois entregava as fotos e os rapazes riam a valer, pois nos retratos não saia a data do dia, mas datas futuras, estapafúrdias e não coincidentes. E toda a cidade, quando queria se divertir, deixava-se fotografar pelo velho lambe-lambe só pra ver a data que ia sair na fotografia. Também a garotinha de cinco anos com sua mãe tiraram seus retratos com as suas datas, só que a data que saiu foi a do dia seguinte. No dia seguinte, atropelada por um caminhão a garota morreu. A mãe teve um infarto ao ver a filhinha morta e também morreu. Alguém que pegou os retratos do lambe-lambe fez a associação: As datas que saiam nas fotos eram as datas da morte de cada pessoa.
     E todos correram até a praça a procura do velhinho, queriam prorrogação das datas, alguns sugeriram linchar o velho. Mas ele não estava no lugar de costume, sumira indo ninguém sabia pra onde.
     E ali na praça ficaram todos, uns esperando o fotografo lambe-lambe, outros esperando a morte chegar.
                                                                                   Paulo Cesar Will (fanzine hipnose 1990.)
Pérolas ao povo

      Um homem ia atravessando a rua quando de repente uma lajota do calçamento, solta, calçou-lhe um dos pés fazendo-o se desequilibrar de tal forma que ele caiu.  Três senhoras e um rapazinho riram do acidente. O homem ergueu-se e caminhou até o grupo e falou: “Muito boa tarde, chamo-me José do Corpo Físico e sou professor de física na escola Mario que foi pra Cova, e o que vocês acabaram de presenciar foi com certeza uma cena cômica onde meu corpo desequilibrou-se quebrando minha postura e a seriedade que ela transmite por isso desencadeou espasmos de risos em suas feições, porém, por outro lado esse acontecimento nada mais é que a prova concreta sobre a existência da força gravitacional em nosso planeta. É por causa da força gravitacional que os corpos espatifam-se no chão, se, hipoteticamente, estivéssemos na lua onde a gravidade é quase inexistente vocês não veriam um homem caindo, mas sim alguém brincando com seu próprio desequilíbrio e quem sabe ensaiando um possível vôo curto e prazeroso sustentado pelo vácuo espacial. Bom, meu tempo é curto e esse é um assunto muito longo, estou atrasado e preciso ir, mas se vocês quiserem tirar alguma duvida para conhecer melhor as leis da física estarei disponível as dezessete horas na escola da qual já falei, uma boa tarde e se possível apareçam!”
      As senhoras e o garoto esperaram o homem se afastar e comentaram entre si: “Cada tipo que aparece, além de imbaça vem contar essas piada sem graça!” não dá bola mãe que a minha turma vai pegar ele na porrada!”emendou o guri.” Que é isso guri?”prosseguiu outra senhora” Tu vai bater no homi só porque ele é maluco?”
      Logo em seguida as senhoras foram pra casa assistir a novela da tarde e o garoto foi jogar bola com seus amigos.
                                                                                                                                  Cafa, 1992.
Ecologia

Falam em reformar a natureza
Um enorme teatro foi criado
Se promovem as custas da maioria
Que nada sabem e ficam calados

Inútil reforma ecológica
Inútil reforma social

Através do aparelho hipnótico
Hipnotizam a população
Transformam o certo em errado
E o errado transformam em salvação

Inútil reforma ecológica
Inútil reforma social

(Letra que escrevi ,em 1992,pra banda de punk rock Chute no Saco em ocasião da convenção denominada “Eco 92”.Na época dei a idéia pro guitarrista Mingo gravar o canto de um canário e mixar na faixa criando um solo, infelizmente ninguem tinha grana pra pagar uma sessão de estudio, que era caro demais)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Desestimulo

                                                “Minha vida não será, apesar de tudo, mais do que uma existência poética.”  
                                                                                                                                       Kierkegaard
Arremessei uma onda de calor e amor
Na lama fatídica
Julguei estar correto em tentar abrir prisões
Mas a loucura foi palpável
E a intolerância verdadeira
Não houve colo, beijos ou elogios
Havia um significado enraizado na mão pesada da educação
E a revolta evoluiu
Aderi ao descontrole e a fuga
Por saber que não haveria mais luta
Haviam perdido o controle
Meus mapas e rumos condensados nas noites ébrias
Na esperança de não acordar
Sem que precisasse cortar fundas as fibras
Em fuga real e definitiva
Mas nada evoluiu
O espelhou quebrou
O amor fundido no gelo
No seio daquilo que um dia achei que fosse
A própria vida.

                                                                                  Cafa , setembro de 2000.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

                                      Sobre nós quem sabem são os ETs

               Acordei e olhei para a janela e vi uma veneziana que não me disse nada. Abri a mesma e o sol estava onde deveria estar nada de surpreendente até aqui e mais adiante não sei se coisa diferente iria acontecer. O dia transcorreu bem. E me senti relativamente bem. Não liguei a TV e não li o jornal, se acaso tivesse posto os olhos nestas coisas meu dia não terei sido bom como foi, algum tormento surtiria em algo aborrecedor. Então a coisa foi boa, o dia foi bom. Mas ainda assim nunca estamos  completamente relaxados. Sempre buscamos algo além do simples existir. O homem precisa de movimento, criar algo, fazer com que sua vida tenha um sentido funcional nem que esse sentido seja a busca pelo prazer. Eu escrevo e nisto comporto meu prazer. Ler também é bom. Sempre que leio antes de escrever sinto que estou fazendo algo que foge de possíveis absurdos, não me refiro ao conteúdo do que escrevo, mas sim ao simples fato de escrever, que, sabe-se lá, poderia ser algo estúpido, principalmente em um pais onde se lê muito pouco, quase nada. Se formos conferir os livros mais vendidos vamos encontrar Best Sellers de auto-ajuda, piadas ou os exotéricos em geral. Não estou negando ou ignorando a importância que tais obras possuem, mesmo que eu nem as leia. A arte de escrever não é difundida neste pais e nem a leitura pelo simples prazer,sempre que alguém pega um livro está atrás de algo que lhe de o que ela não tem, lhe ensine algo ou, se nada disso, trata-se de um leitor “obrigado” precisou ler determinado livro pra prestar vestibular. Bem, isso são questões vagas. Mas eu gosto de vagar por ai e assim estamos todos, na intrépida aventura de um barco sem leme, sem rumo e sem capitão, pra que embarcação melhor? A verdade é que se todos os ditos escritores fossem como eu a leitura de fato não teria sentido, ou teria, ou quem sabe teríamos que encontrar um sentido pra ela. Já me perguntaram de o por que me dedico a tal atividade, o por que e pra que disso tudo? E não encontrei resposta e dificilmente encontraremos  e se alguém responder será algo subjetivo que certamente colocaríamos na estante dos escritos imprecisos. A verdade é que toda deliberação, escrita, falada e matematicamente comprovadas são, lá no fundo, nada mais que hipóteses. Uma lógica pode ser criada, inventada e seguida e a escrita é uma atividade que necessita de lógica para ser desenvolvida, caso contrario serão nada mais que devaneios que farão do leitor um simples joguete. Muitos pretensiosos querem ser os donos da “verdade”, verdadeiros pedantes ornados em quimeras. Então estou aqui, jogando e marcando gol contra, mas, e ai?Sempre que sento pra escrever me vem a fantasmagórica ideia da metafísica ou do fenomenológico crepitando a ideia de o porque se escreve e por que se lê? Acho que nunca vamos saber. Toda atividade humana é não mais que patética, claro, isentando ai os... os...os quem? Não me vem nada. Não sei dizer o que é de fato importante, salvar uma vida é importante, produzir alimentos é importante, receber e dar carinho é importante, muitas atividades são obviamente importantes e o resto não passa de leviandade e frescura, certo? Estou sendo pessimista? Sofro de alguma patologia? Afirmar o que quer que seja é sempre uma responsabilidade e pior ainda se essa afirmação estiver impressa em um papel, pois ai a pessoa tem o “rabo preso”, criou provas contra ela mesma e vão dizer: ”está aqui, você escreveu isso e agora com as novas descobertas esta comprovado que você escreveu bobagens, coisa sem consistência, enfim, um disparate. Sim, levo a serio demais o que não se deve encarar de tal forma. Por isso minha advertência sobre tais coisas e precisamente sobre mim mesmo e meus escritos que são apenas devaneios tolos, como diria um cantor. Sobre a ciência  que é, como falei, apenas uma hipótese, uma suposição ai me perguntam quais critérios tenho para afirmar isso? Ai digo que não sei, que é algo que “sinto”. Vejamos que todo o conhecimento humano e na verdade o próprio condicionamento humano. Se Fernando pessoa disse que ele era um técnico, pela boca de sua criação Alberto Caeiro, que era projetista naval, um técnico dentro da técnica  e que fora disso ele nada mais era que um louco, vejo ai uma afirmação perturbadora e relevante, afinal Pessoa é tido como um gênio, ou, um doido? Einstein, o maior gênio de todos, disse que muito antes de formular a teoria da relatividade já pressentia, intuitivamente, sua existência. Tudo muito relevante. Mas o que isso tem a ver? Tem a ver que não sabemos de nada, nada mesmo. O conhecimento, escasso, que obtivermos serão sempre parciais, frutos dos sentidos ou da razão, como a razão é uma invenção cerebral sobram os sentidos. Tudo o que é explicito, explicado, óbvio demais soa-me como canalhice, minhoca de anzol . Não estou querendo obscurecer as coisas mas a natureza humana é obscura por si, sabemos apenas de uma parte, de onde viemos e para onde vamos ninguém jamais saberá, se é que viemos e vamos para algum lugar. Se é que Sartre  realmente demonstrou os limites do homem, da mulher, enfim, dos seres de forma categórica. Li a pouco tempo que Schopenhauer  filosofo alemão, considerou a metafísica como simples quimera, um conhecimento impossível. Isso é péssimo. Mas como ser humanista e feliz? Confiar única e exclusivamente no homem? Isso é terrível. Já demonstrei que sou pessimista em relação ao conhecimento que podemos obter de nós mesmos e do mundo que nos cerca, são inutilidades que servem apenas para darmos algum sentido a existência e não cairmos no tédio. Mas o que meu espírito anseia é que algo maior, melhor e mais bonito que o homem venha nos dizer, de um mundo qualquer, de um mundo distante, que tal ser nos explique que a coisa é assim e assado. Só posso confiar em coisas que não apodreçam e o homem apodrece.
                            Quanta besteira não é verdade? Realmente. Mas fazer o que? Chegamos a um ponto de saturamento que só resta isso, ver com péssimo olhar a humanidade seu conhecimento, suas conquistas e suas verdades. Claro que estou me incluindo entre a praga, não quero ser taxado de nazista. Mas, além disso tudo, o que resta? As artes? A reforma? A nova ordem mundial? Resta uma coisa, uma espera , esperemos sinal de vida inteligente nesse planeta terra enquanto os astrônomos a procuram lá fora, esperamos que um dia podemos ter mais livrarias que farmácias no Brasil. Intuo que estamos caminhando pra melhora, até já escrevi isso em outro texto. É sempre melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão que uma simples vela não vai por fim, certo? Nada, tudo bobagem, tolices e, entretanto, eu tive um dia legal, um dia ótimo.
                                                                                                                          Cafa, 1997.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

                                  Um velho louco e um jovem sem memória

                                                                                            “Tudo o que morre teve antes uma
                                                                                   espécie de meta, um tipo de atividade e
                                                                                                      nela se desgastou.”
                                                                                                                               Kafka

        Quando finalmente um ônibus se aproximava chamando sua atenção, ele não soube precisar aonde iria, talvez a lugar algum, de si para si ele conjecturou em uma espécie de intuição quase animalesca, instintiva diria, e tudo fazia sentido dentro da possibilidade de ficar ali parado ou adentrar no ônibus ou mesmo seguir a pé, não faria a menor diferença. O ônibus para e abre a porta. Estava parado nesse ponto a cerca de duas horas, naquele deserto árido onde as únicas paisagens eram, como em fotos, uma velha casa sem telhado e a grande estrada infinita e deserta e além dessa paisagem morta, como um picante tempero, o sol lhe ofuscava a visão. O motorista do coletivo abre automaticamente a porta chamando-lhe atenção, então ele resolve  entrar já enfiando as mãos nos bolsos atrás de algum dinheiro para a passagem. Ele não recordava em nada sobre sua vida, era como se estivesse surgido ali da forma em que se encontrava: jovem de vinte e poucos anos, bem vestido e de olhar perdido com testa franzida. Subiu a escada do coletivo em um movimento mecânico, fitou o motorista como um caipira sério e sem que firmasse seu corpo com as mãos em algum ferro ele sente o brusco movimento do veiculo lhe lançar de bruços no corredor, o motorista não percebe o pequeno acidente e acelera ao mesmo tempo em que cantarola uma velha canção. Ergueu-se e sem lançar julgamentos sobre o fato procurou um lugar para se sentar. “Meu deus! Que espécie de animal é este? Cuidado meu rapaz, muito cuidado antes que tua própria estupidez te mate!” Foram as palavras de um velho homem que trazia consigo dois baldes e uma lebre aprisionada em uma gaiola muito pequena onde o bicho mal podia se mexer. O rapaz perdeu-se a observar o interior do veiculo ao mesmo tempo em que uma estranha sensação lhe atormentava, da mesma forma que uma granada que é lançada e falha atormenta um soldado em uma guerra. Enquanto não explodia continuou a observar as imagens que seus olhos captavam e que se perdiam no fundo de sua alma. Tudo lhe soava familiar ao mesmo tempo em que ele não conseguia pronunciar uma única palavra, e o que seriam palavras para alguém que não conseguia pensar, senão ruídos incompreensíveis?Quem sabe esse jovem, em seu passado, poderia ter usado seu cérebro de forma coerente, mas naquele momento ele não passava de alguém sem memória procurando algo que nem ele mesmo podia supor o que era. O velho com os dois baldes e com a lebre engaiolada sentou-se ao seu lado e antes mesmo de se acomodar começou a falar ao jovem as seguintes palavras: “Sabe meu filho, pra todo lugar que eu vou carrego comigo esses dois baldes vazios caso eu venha a encontrar alguma coisa que me sirva e assim já tenho onde carregar, fazem oitenta e dois anos que não encontro nada que me interessasse, além dos próprios baldes, tenho noventa e sete anos e, na verdade, acabei a pouco tempo, encontrando essa lebre,mas como ela é um bicho muito rápido e não reconhece dono tenho que a manter aprisionada.” O velho falava enquanto o rapaz o ouvia atentamente, mesmo sem entender nada ele havia ficado fascinado pelo som que a boca do velho emitia, da mesma forma que uma pessoa qualquer aprecia uma música mesmo sem entender nada de acordes, timbres e escalas. E o velho prosseguia: “Você é um jovem e sabe parar para ouvir um velho vivido falar e mais: o teu silêncio não me engana, és um sábio, pois só os sábios sabem ouvir. Seus olhos são de alguém que procura algum defeito na forma em que esse ônibus foi projetado...” Mantinha um olhar sério e permanecia tácito ante o som da voz daquele velho que lhe trazia um conforto que ele próprio não podia entender em sua inércia total. O ônibus finalmente chegou a uma pequena vila e de dentro dele, as pessoas que estavam próximas a um comércio, viram descer dele o velho eloqüente e um jovem calado seguindo seus passos.
                                                                                                                        Cafa, 1997.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Nivelamento das almas

Uma goteira eleva o nível do grande lago mas nada difere-se aos olhos atentos do observador. Nada mudou. Ah luzes,quanta cegueira provocas em teu estalar imediato onde tudo é escuridão. deixar as coisas como estão é não reverenciar as almas iluminadas. Sobram ossos e o que são ossos senão a dura realidade. Palavras são como flechas e muitas flechas se perdem no vazio. Um grito desesperado nas altas casas, casebres lá em cima; não sei! A imagem refletida no espelho, não a ouço, ela não emite som algum, finjo não ouvir. Nada compreendo perfeitamente e o mundo apresenta-se enigmatico. Um choro de criança; sou eu. Um gemido triste; sou eu. Esfomeados no Sudão e no nordeste brasileiro; sou eu. Morro chorando, morro no ódio, morro de fome em lugares distantes. Sou incapaz. Suicido-me quebrando o espelho e dando adeus ao mundo. O tufão chegou cedo demais. Sou um ser sem ilha boiando como um cadaver. Afasto-me de Deus e a noite chega. Milhares andam por sobre as aguas. Continuo boiando observando a terra firme e lá no fundo vejo vagar grandes verdades, fecho os olhos e sem que eu posso fazer algo vejo as ondas levarem meu cadaver.

                                                                                                                              Cafa, outubro de 1998.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

noção de um momento

esse corpo que eu carrego
é pouco pra mim
o dia a dia, a luta pela sobrevivencia
todas essas ilusões
não condizem com minhas expectativas
para suprir meu vazio
me lanço ao exesso
na dor dilacerante
na paz de um vôo
troco conversas com o boi no pasto
e sacio a sede absurda confessando-me com o padre
converto a luz em breu
pra encontrar a saida
caminho ao lado da morte voraz amiga
troco o certo pelo duvidoso
e escolho o que não me convém
nada pode dar certo
nada pode ser real
tudo me cai no no colo
como uma bomba
e a sorte é um enigma que falha
deixo crescer a barba
e não tomo mais banho
deixo os dentes sujos e a lingua solto
gostaria de ser linchado
gostaria de poder me defender
ensaio um ritual ultrajante
não tenho mais tempo pra respirar e
delibero sobre mim mesmo e o mundo
minhas emoções dançam
na superficie do planeta
sigo respirando
e volto
ao cotidiano
como senada fosse além
e a vida toda é um par de sapatos
e um bom dia.

Cafa...26/10/98
Palavras para o vazio

O suicida não é um covarde
nem vitima da fraqueza humana
é só alguem que escolhe seu proprio tempo
para o fim

olhou no espelho
e viu que a realidade em que vivia
era um reflexo pré-fabricado

a vida possui um único significado:
O de viver!
mas se trocamos a vida pela sobrevivencia
então nascemos mortos.

P.C. Will
Incisão aéria

Somos os passaros quando acertam a janela
vidro nela
mortos eles
passaros não entendem de transparencias
nós sabemos voar?